Porque é que os artistas não querem vender o seu trabalho
Hoje ouvia uma entrevista ao presidente da Cisco que mencionava a importância de eliminar a hierarquia nas empresas e instituições. Só eliminando a hierarquia se faz com que as pessoas percam o medo de falar, e só perdendo o medo de falar se instaura uma cultura de criatividade e se cria uma comunidade. Também a semana passada ouvi uma entrevista sobre a prática do hobby em contextos sociais, o que denominaram de “hobbyism”. O exemplo que deram foi em relação à política. As pessoas vêm o telejornal, leem artigos, ouvem debates, discutem sobre política com colegas e amigos, muito à semelhança da prática de um hobby, por exemplo, o de acompanhar eventos desportivos. Também me pergunto se muitas vezes não acontecerá o mesmo em meio artístico. Os alunos de arte (referindo-me à minha realidade Lisboeta), leem sobre arte, participam em exposições, comentam-nas com os colegas, assumindo-se, muitas vezes, num papel de espectador. Muitas vezes própria dinâmica do “hobby” e da passividade na participação está associada à estrutura do próprio meio artístico em Portugal. A atitude passiva está derivada de hierarquização: o aluno trabalha para a validação pelo professor, a seguir espera ser validado pela galeria e ser selecionado pelo concurso de pintura. A hierarquia parte também pela forma como os fundos artísticos são distribuídos. Estes são distribuídos a instituições que através de concursos seleccionam as propostas que se adaptam aos seus contextos, numa óptica muitas vezes de prestação de serviços. Por outro lado, devido aos limites de fundos, temos uma dinâmica fortemente ditada pelo mercado. A maioria das carreiras artísticas passam pela componente comercial, de venda de trabalhos, onde mais uma vez há uma competição ou uma validação pela entidade de nível hierárquico superior. Também pelo limite de fundos temos os concursos, que funcionam de certa forma como uma lotaria: temos um “pool” de artistas que “pagam”, trabalhando gratuitamente para participar, de forma a financiar um vencedor, mais uma vez estabelecendo a dinâmica hierárquica.
O Cultural Endowment of Estonia é um fundo onde os artistas podem concorrer directamente a financiamento para as suas exposições ou projectos artísticos, sem passar por uma validação hierárquica de entidades intermédias. É comum ver alunos da faculdade formarem grupos de trabalho de forma a recorrer a este fundo (cuja candidatura é feita online) para a realização dos seus projectos. Também se podem encontrar fundos semelhantes para outros países na europa. Temos ainda que entender como estão a acontecer as dinâmicas colaborativas nas artes para entender os seus impactos. Uma coisa que me tem chamado à atenção no regresso tem sido a diferença entre as exposições que vi na Estónia e na Finlândia e as que aqui encontro, e como as primeiras estão muito mais associadas ao que se passa na sociedade e as segundas à individualidade e pesquisa pessoal. Nos países nórdicos temos artistas com um papel activista e artístico, temos a cultura DIY e projectos artísticos fora dos formatos tradicionais, temos projectos sociais de debate, pedagogia e inclusão social, temos colectividades e associações artísticas. Desta forma, o papel do artista não é somente o de produtor de objectos mas é acima de tudo um intérprete da sociedade a cultura em que se encontra, é um agente para a promoção do diálogo e do pensamento em torno da sociedade que o envolve.
O que aqui penso e em resumo é que, correndo o risco de generalizar, a estrutura educativa, social e profissional da actual arte portuguesa que se baseia na hierarquia tem um papel que estimula a individualidade e passividade na produção artística. No entanto temos sempre exemplos de como, também em portugal, a produção artística desenvolvida colectivamente impactou a sociedade. Vemos como os surrealistas se organizavam entre a pintura, a escrita e o desenho. Vemos o papel dos músicos de intervenção e da mobilização colectiva nos anos 70, vemos a importância dos grupos de pensadores e escritores no desenvolvimento da poesia, pintura e filosofia do modernismo, e da importância dos cafés enquanto espaços culturais, vemos as colectividades artísticas, e vemos, no presente, novos modelos artísticos a surgir (por exemplo, a PARTIS2020, discutida em Janeiro na Gulbenkian)
Desta forma, pode ser interessante pensar, no contexto da arte portuguesa, que o artista pode não querer ganhar o concurso, nem ser seleccionado, nem ter boas avaliações ou críticas, nem vender as suas obras. O artista poderá querer, simplesmente, uma estrutura para poder realizar o seu trabalho: um espaço, um financiamento a que possa recorrer, uma comunidade, uma plataforma. Um breve exemplo seria, em vez de concursos de pintura, criar pequenos fundos para exposições aos quais os artistas pudessem concorrer, disponibilizar espaços de atelier, ou estruturas que apoiassem o desenvolvimento e circulação dos projectos. Estrutura e assistência para debate, participação, intercâmbio e criação de comunidades poderão permitir que se surjam novas abordagens artísticas, que exista lugar para novos modelos de criação e cultura. E criar o espaço para novas abordagens artísticas não é “ajudar o artista” mas sim contribuir para o desenvolvimento da arte portuguesa e seu respectivo impacto na sociedade.
O Cultural Endowment of Estonia é um fundo onde os artistas podem concorrer directamente a financiamento para as suas exposições ou projectos artísticos, sem passar por uma validação hierárquica de entidades intermédias. É comum ver alunos da faculdade formarem grupos de trabalho de forma a recorrer a este fundo (cuja candidatura é feita online) para a realização dos seus projectos. Também se podem encontrar fundos semelhantes para outros países na europa. Temos ainda que entender como estão a acontecer as dinâmicas colaborativas nas artes para entender os seus impactos. Uma coisa que me tem chamado à atenção no regresso tem sido a diferença entre as exposições que vi na Estónia e na Finlândia e as que aqui encontro, e como as primeiras estão muito mais associadas ao que se passa na sociedade e as segundas à individualidade e pesquisa pessoal. Nos países nórdicos temos artistas com um papel activista e artístico, temos a cultura DIY e projectos artísticos fora dos formatos tradicionais, temos projectos sociais de debate, pedagogia e inclusão social, temos colectividades e associações artísticas. Desta forma, o papel do artista não é somente o de produtor de objectos mas é acima de tudo um intérprete da sociedade a cultura em que se encontra, é um agente para a promoção do diálogo e do pensamento em torno da sociedade que o envolve.
O que aqui penso e em resumo é que, correndo o risco de generalizar, a estrutura educativa, social e profissional da actual arte portuguesa que se baseia na hierarquia tem um papel que estimula a individualidade e passividade na produção artística. No entanto temos sempre exemplos de como, também em portugal, a produção artística desenvolvida colectivamente impactou a sociedade. Vemos como os surrealistas se organizavam entre a pintura, a escrita e o desenho. Vemos o papel dos músicos de intervenção e da mobilização colectiva nos anos 70, vemos a importância dos grupos de pensadores e escritores no desenvolvimento da poesia, pintura e filosofia do modernismo, e da importância dos cafés enquanto espaços culturais, vemos as colectividades artísticas, e vemos, no presente, novos modelos artísticos a surgir (por exemplo, a PARTIS2020, discutida em Janeiro na Gulbenkian)
Desta forma, pode ser interessante pensar, no contexto da arte portuguesa, que o artista pode não querer ganhar o concurso, nem ser seleccionado, nem ter boas avaliações ou críticas, nem vender as suas obras. O artista poderá querer, simplesmente, uma estrutura para poder realizar o seu trabalho: um espaço, um financiamento a que possa recorrer, uma comunidade, uma plataforma. Um breve exemplo seria, em vez de concursos de pintura, criar pequenos fundos para exposições aos quais os artistas pudessem concorrer, disponibilizar espaços de atelier, ou estruturas que apoiassem o desenvolvimento e circulação dos projectos. Estrutura e assistência para debate, participação, intercâmbio e criação de comunidades poderão permitir que se surjam novas abordagens artísticas, que exista lugar para novos modelos de criação e cultura. E criar o espaço para novas abordagens artísticas não é “ajudar o artista” mas sim contribuir para o desenvolvimento da arte portuguesa e seu respectivo impacto na sociedade.
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