Artistas, Quarentena, Redes Sociais e Comunidades



Há algum tempo tinha partilhado o seguinte texto sobre a importância das redes sociais para os artistas emergentes. Tenho partilhado que não se trata somente de uma boa ferramenta para promover o nosso trabalho, mas essencialmente uma forma de criar um diálogo e de cuidar e manter uma comunidade em torno do mesmo. Alguns artistas chegam a criar o seu projecto artístico propositadamente para as redes sociais, como é o exemplo da Cindy Sherman, fotógrafa dedicada ao auto-retrato há mais de 40 anos, explorando o tema das selfies e da criação de personagens na sua conta de instagram.

O surgimento pandemia de COVID-19 e da quarentena sem fim à vista tem levado a novas iniciativas que tiveram grande impacto na arte e na cultura. Posso dizer que no meu caso tive exposições canceladas, workshops cancelados, feiras de rua canceladas, e não consegui avançar com alguns projectos artísticos que tinha previsto, como o de voltar a pintar as pessoas do meu bairro. Foram várias semanas de trabalho dedicadas ao planeamento de todas estas actividades em vão.

Ao longo das últimas três semanas, contudo, têm acontecido coisas interessantes. Tenho assistido aos festivais de arte que se têm criado através do facebook e do instagram, como foi, por exemplo, o caso do Quarentena - festival de artes online. Tenho participado em iniciativas através de # no instagram como  o #thewhiterabbitgroupexhibition (onde se podem encontrar trabalhos de artistas plásticos e visuais portugueses) ou também o incrível movimento que se criou em torno do #artistsupportpledge, iniciado no Reino Unido e que conta já com mais de 30.000 publicações num espaço de poucas semanas. Esta última iniciativa centra-se na ideia de economia circular, na qual os artistas colocam trabalho à venda através do instagram, e uma vez atingido o patamar de 1000 euros/dólares/líbras, comprometem-se a alocar 20% do rendimento à compra de obras de outros artistas, numa óptica somente de boa-fé. Além disso tenho recorrido mais aos directos do instagram e acompanhado o desenvolvimento do trabalho dos meus colegas, assim como acompanhado alguns podcasts de arte que têm entrevistado artistas durante este período.

Finalmente, tenho sido surpreendida por receber mensagens de pessoas que me seguem, e queria agradecer por isso. Algumas mandam-me fotos do meu trabalho nas suas casas, outras perguntam-me só como estou, outras partilham o meu trabalho nas suas páginas. Tenho publicado o que faço todos os dias e já consegui vender algumas obras para me ajudar neste período praticamente sem fontes de rendimento. Hoje recebi uma mensagem de Espanha: uma pessoa comprou uma print minha no Jardim da Estrela no junho passado, e tem-na numa estante da sua sala. Passado quase um ano, lembrou-se de me enviar e-mail a dizer que o meu desenho o acompanhava sempre e fazia lembrar a sua avó, e enviou-me a foto do mesmo na sua sala. Se isto é arte ou não é não sei, mas é importante ou não?

Neste momento mais do que nunca é preciso entender que a produção artística e sua divulgação não é sobre nós, não é para nossa validação enquanto artistas ou produtores de arte, mas existe por uma causa  superior que é a sua importância para a sociedade. Se as redes sociais são o que temos disponível, assim o seja. Penso cada vez mais que a questão não é "isto é arte?" mas sim "que impactos e diálogos o meu trabalho pode trazer para a sociedade?".

Acredito que cada artista tem o papel, não só na própria criação, como também no acto de dinamizara a sua comunidade que é constituída pelos seus colegas e pelo seu público. É importante que se cuidem muito bem destes grupos porque se por um lado são estes que nos apoiam e sustentam, são também estes que contam com o nosso trabalho nas suas vidas. Espero assim que este período faça a comunidade artística sair cada vez mais da sua bolha e desta forma evidenciar a importância do seu papel para o mundo.




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